sexta-feira, 26 de novembro de 2010

SÃO FÉLIX DE CANTALÍCIO, ROGAI POR NÓS

Hagiografia
São Félix de Cantalício: felicidade plena no despojamento

Durante quarenta anos o humilde capuchinho Frei Félix pediu esmolas para seu convento, tornando-se uma das mais queridas figuras da Cidade Eterna

Plinio Maria Solimeo

Era comum ver-se em Roma um espetáculo inusitado: São Félix ajoelhar-se para receber a bênção de São Felipe Néri e este ajoelhar-se ao mesmo tempo, pedindo a bênção de Frei Felix
Em nossa época de luta de classes e de revoltas sociais, é oportuno conhecer a vida de um Santo que nasceu, viveu e morreu na mais extrema pobreza, louvando sempre a Deus e cantando suas glórias. São Félix de Cantalício é um dos mais joviais e alegres Santos do Calendário. Tinha ele a perfeita alegria de servir a Deus na pessoa de seus superiores e irmãos, e, apesar de sua mortificação contínua, nunca perder o bom humor.

Família pobre, mas temente a Deus


Terceiro de uma família de cinco, Félix nasceu em Cantalício, pequeno povoado italiano do território de Cità Ducale, na província da Umbria. Seu pai, chamado Santo de Carato, e sua mãe, de nome Santa, eram pobres camponeses cuja única riqueza consistia em oferecer a seus filhos a Religião católica, que lhes ensinaram desde o berço.

Aos 12 anos, para diminuir uma boca na tão parca alimentação doméstica, Félix foi mandado trabalhar em Cità Ducale, na fazenda de um homem temente a Deus, que dele cuidava como se pertencesse à sua família. A infância e juventude de Félix podem ser resumidas nestas palavras: poucas letras, muito trabalho e muita oração.

Pastoreando o gado do patrão, Félix gravava uma cruz no tronco de alguma árvore e, de joelhos, rezava muitos terços. Aos poucos, guiado pelo Espírito Santo, começou a fazer meditação durante o trabalho, chegando à contemplação de Deus em suas obras. Dizia: "Todas as criaturas podem levar-nos a Deus, contanto que saibamos olhá-las com olhos simples".


Seus companheiros de infância, e depois de juventude, tanto o respeitavam que só se referiam a ele como São Félix. Em sua presença, nenhuma palavra menos pura, nenhuma brincadeira duvidosa, nenhum ato equívoco se praticava. E todos se contagiavam com a alegria que ele irradiava ao seu redor, fruto de sua perfeita conformidade com a vontade de Deus.

Assistia à Missa diariamente e dedicava seu tempo livre à oração e às boas obras.

Acidente leva-o ao estado religioso

Nessa vida simples e inocente, viveu 28 anos. Um acidente, que pôs em risco sua vida, levou-o a decidir fazer-se religioso. Estava ele arando o campo com uma junta de bois, quando estes, assustando-se por algum motivo, voltaram-se contra ele, que caiu por terra, e passaram com o arado por cima dele. Quando se levantou sem nenhum arranhão, Félix viu naquilo um aviso de Deus e foi pedir admissão no mosteiro capuchinho da cidade.

O guardião que o atendeu, para certificar-se de sua vocação, descreveu as austeridades da Ordem com tintas muito carregadas. Félix replicou-lhe que, se na cela houvesse um Crucifixo, bastaria olhá-lo para suportar qualquer sofrimento ou contrariedade. Ciente de que estava diante de alguém que meditava constantemente na Paixão do Salvador, o guardião o admitiu de muito bom grado.

Seu noviciado em Áscoli, para onde foi enviado, caracterizou-se por uma oração contínua dia e noite, e por febres graves e prolongadas, que ele julgou ser de origem infernal para impedi-lo de seguir a regra com toda a fidelidade. Por isso, um dia levantou-se e foi dizer ao superior que estava são. E realmente começou a trabalhar e a seguir todos os pontos da regra, inclusive jejuns, sem maior dificuldade.

Alegre pedinte nas ruas da Cidade Eterna

Félix aprendia de memória orações, antífonas, salmos, versículos, hinos litúrgicos e passagens evangélicas para alimentar sua devoção. Com freqüência, rogava ao mestre de noviços que redobrasse suas penitências e mortificações e o tratasse com mais severidade que aos outros, pois julgava seus companheiros mais dóceis e inclinados à virtude.

Em 1545, aos 30 anos, pronunciou os votos solenes. Transcorridos quatro anos, foi enviado a Roma. Durante 40 anos, ou seja, quase até a morte, saía diariamente para pedir esmolas nas ruas da cidade, visando a manutenção da comunidade.

Sempre alegre e contente, dizia a seu companheiro de fadigas: "Bom ânimo, irmão: os olhos na Terra, o espírito no Céu, e na mão o santíssimo rosário".

Além de solicitar esmolas para seu convento, ele também, com licença do superior, pedia com o fim de auxiliar outros necessitados. Socorria principalmente os meninos abandonados nas ruas da cidade.

Para chamar a atenção do povo, costumava gritar: Deo gratias (graças a Deus), pelo que ficou conhecido na cidade como Frei Deogratias. Sua humildade era a fonte de sua jovialidade. Dizia: "Eu não sou frade, mas estou com os frades; sou o jumentinho dos capuchinhos". E quando alguém lhe perguntava como ia, respondia: "Estou melhor do que o Papa, que tem tantos contratempos; eu não trocaria este alforje pelo papado e o Rei Felipe juntos... Vivo tão feliz, que já me parece estar no Céu".

Três grandes santos encontram-se em Roma

São Felipe Néri
Nas apinhadas ruas da Cidade Eterna, encontrava-se com todo mundo, inclusive santos. Um deles era o grande Felipe Neri, tão jovial e cheio de bom humor quanto Frei Félix. E eles se saudavam à sua maneira:

- Bom dia, Frei Félix - dizia-lhe Felipe -. Oxalá o queimem pelo amor de Deus. Assim irá mais depressa ao Paraíso!

- Saúde, Padre Felipe - respondia-lhe o capuchinho -. Oxalá o matem a pauladas e o esquartejem em nome de Cristo!

Era comum ver-se em Roma esse espetáculo inusitado: o capuchinho ajoelhar-se para receber a bênção do Padre Felipe, e este ajoelhar-se ao mesmo tempo, pedindo a bênção de Frei Félix.

Certo dia Frei Félix encontrou-se na rua com o próprio Papa, que lhe suplicou um pedaço de pão ganho de esmola. Mas que pegasse um qualquer, sem escolher. O capuchinho enfiou a mão no alforje e tirou justamente um pão preto e ressequido que deu ao Papa, sorrindo e dizendo: "Ainda bem, Santo Padre, que Vossa Santidade também já foi monge!"


Outro santo que admirava e procurava a amizade de Frei Félix era o Cardeal Carlos Borromeu. Pediu-lhe este um conselho para transmitir a seus sacerdotes, a fim de progredirem na virtude. Frei Félix respondeu: "Que cada sacerdote se preocupe em celebrar muito bem a Missa e em rezar muito devotamente os salmos que têm que rezar cada dia, no Ofício Divino".

Em outra ocasião, São Carlos Borromeu pediu a São Felipe Neri que revisse umas regras que havia redigido para alguns oblatos. São Felipe pediu-lhe que as mostrasse a São Félix. Este ficou estupefato, pois era quase analfabeto e sem estudos. Mas São Carlos Borromeu insistiu e ele fez a revisão, mostrando alguns pontos em que havia um pouco demais de severidade. O Cardeal admirou a prudência e sabedoria do humilde leigo.

Quando perguntavam a Frei Félix de onde lhe vinha tanta sabedoria, ele respondia: "Toda minha ciência está encerrada em um livrinho de seis letras: cinco vermelhas, as chagas de Cristo, e uma branca, a Virgem Imaculada".

Nossa Senhora entrega-lhe o Menino Jesus

E a devoção de Félix à Virgem manifestava-se a cada passo, nas ruas da Cidade Eterna, diante das inúmeras Madonas que adornam prédios e monumentos. Dizia: "Lembrai-vos que sois minha Mãe. E eu sou sempre um pobre menino, e os meninos não podem andar sem a ajuda da mãe. Não me solteis jamais de vossas mãos".

Um dia em que Frei Félix rezava no convento diante de uma imagem de Nossa Senhora com o Menino, esta, segundo testemunha ocular, cedeu-lhe o Menino para que o acariciasse. Isso foi imortalizado numa tela pelo grande pintor Murilo.

Frei Félix possuía outro talento: dotado de bela voz de barítono, compunha e cantava canções religiosas, que logo se tornaram populares em Roma.

Um seu contemporâneo assim o descreve: "Baixo de estatura, mas de corpo cheio e decentemente robusto. A fronte espaçosa e enrugada, as narinas abertas, a cabeça algo grande, os olhos vivos e de cor puxando para o negro; a boca, não afeminada, mas grave e viril, e o rosto alegre e cheio de rugas; a barba não comprida, mas inculta e espessa; a voz aprazível e sonora; a linguagem de tal qualidade que, se bem que rústico, por ser simples e humilde, convertia em formosura a rusticidade".


Prêmio da glória eterna e canonização

Túmulo de São Félix na Igreja dos Capuchinhos, em Roma
Em sua vida de religioso, diz um seu biógrafo, Frei Félix praticou com perfeição exemplar os três votos monásticos: "Obediente, sem vacilações nem resistências; pobre até os limites do mais absoluto desprendimento; e casto, com a inocência de quem não conheceu derrotas nem sabe o que é a malícia da paixão".(1)

Enfim, em maio de 1587, aos 72 anos de idade, Frei Félix de Cantalício entregou sua pura e inocente alma a Deus.

O povo de Roma quis canonizá-lo imediatamente. O Papa reinante, Sixto V, que o conhecera bem, coletou 18 milagres operados pelo Santo para sua beatificação. Frei Félix de Cantalício foi canonizado em 1712.

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